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Computadores não têm senso de justiça: uma análise comparativa entre hermeneutica e a IA aplicada ao Direito

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Por Wilson Neto
Computadores não têm senso de justiça: uma análise comparativa entre hermeneutica e a IA aplicada ao Direito

Computadores e o senso de justiça. A linguagem é a maior das nossas riquezas e desempenha relevante papel para criação e validade das normas jurídicas que regem uma sociedade. Se quiser saber como as máquinas (criadas pela inteligência humana) diminuíram a lacuna existente os bits e a nossa complexa comunicação, continue conosco.

1. Ubi societas, ibi jus: se o Direito é majoritariamente escrito, como as máquinas conseguiram...

Na formação jurídica, um conjunto de disciplinas visam preparar o aluno para a atividade interpretativa daquela ciência. A lição (de forma sucinta) é de que o Direito surge da sociedade, por meio de textos majoritariamente escritos (ou consuetudinários e comunicados pela linguagem), interpretados pelos operadores e, por fim, o Poder Judiciário irá, em certa medida, dirimir conflitos interpretativos, pacificando a sociedade.

Na ciência jurídica, a linguagem (no sentido verbo-textual) desempenha um papel importante: é o meio pelo qual as leis são publicadas, as normas, emanadas para a sociedade, as decisões são tomadas e, finalmente, os operadores interagem para obter Justiça.

Em outras palavras, o alfabeto (conjunto de símbolos) cria a linguagem expressa em textos e, no caso do Direito, resulta em normas, aduzidas através da ação interpretativa. Logo, a norma é ideia, é contexto, é semântica.

A linguagem, na referida acepção, é a essência da comunicação humana. Já na ciência da computação o feito acontece pelos mecanismos característicos (zeros e uns).

2. Na linguagem humana, letras formam palavras, que formam frases, que formam textos contendo ideias. Na linguagem das máquinas, eletricidade formam pulsos, que formam bits (0, 1)... mas como uma linguagem tão pobre conseguiu se aproximar de uma linguagem tão rica?

Da mesma forma que, no meio jurídico, o alfabeto reúne-se sequencialmente formando palavras, leis e normas; a computação reúne 0’s e 1’s para formar uma representação gráfica dos characteres do alfabeto e palavras de determinada língua.

Até o advento da IA Generativa, as palavras eram a fronteira para os computadores: conseguiam representar o nosso alfabeto e a linguagem humana, mas não conseguia compreendê-las.

3. Hermes e a hermeneutica jurídica

Hermes, na mitologia grega, era o mensageiro dos deuses, conhecido por sua astúcia, eloquência e habilidade como intérprete e guia. Sua figura está intrinsecamente ligada à comunicação, à linguagem e à interpretação de mensagens divinas, estabelecendo uma ponte entre o mundo dos deuses e o dos mortais. Essa capacidade de Hermes de decifrar e transmitir significados complexos encontra um paralelo fascinante na hermenêutica da ciência jurídica. A hermenêutica jurídica busca a interpretação correta das leis e dos textos normativos, desvendando o sentido e o alcance das palavras e dos signos que compõem o ordenamento jurídico.

Na mitologia, a clareza e a ordem das palavras de Hermes eram cruciais para a compreensão das mensagens divinas.

4. Os computadores e a compreensão das palavras

As máquinas aprenderam a criar representações internas interpretativas dos símbolos da nossa linguagem: tal como humanos, algoritmos passaram a compreender o significado compreendido no sequenciamento e encadeamento de palavras até a comunicação das ideias.

Em linhas bem gerais a IA Generativa, usando técnicas computacionais caras e complexas aprenderam o contexto e o significado a partir de análise de documentos (cerca de bilhões deles) e das respectivas combinações nas quais as palavras apareciam e formavam um determinado contexto/significado.

Assim, os computadores passaram a atuar num limite mais próximo da inteligência humana, pois passaram a ser dotados de algum poder interpretativo, ainda que artificial. Sim, artificial, pois não se compara à inteligência e interpretação humana, de natureza muito mais complexa.

Dessa forma, entendemos não ser o caso de considerar que as máquinas interpretam a linguagem e todas as suas nuances inerentemente humanas. Noutras palavras, os computadores não são mitologia grega. Não devem interpretar nem tomar decisões que devam ser humanas.

Computadores não têm senso de justiça ou injustiça

Ainda que tenham as máquinas passado a entender contextos e situação, bem como escrever e a responder perguntas como se humanas fossem, todo esse poder não passa de complexos cálculos estatísticos, que mimetizam a inteligência humana.

Não se está a negar o poder que isso trás, nem desmerecer a inteligência artificial: o intuito foi delinear um limite mais objetivo entre as duas formas de inteligência, para melhor preparar o leitor pra as próximas seções do presente texto.

Ademais, quando mencionada a complexidade da inteligência humana em detrimento de um modelo estatístico (inteligência artificial), nota-se que enquanto humanos possuem senso de perigo, intuição, vontade, emoção, percepção de valores relativos a ideias de justiça, medo, felicidade, caridade e muitas outras características, as máquinas não possuem esses traços.